As lendárias viagens em navios de luxo, os palácios flutuantes da época de ouro da navegação transatlântica, causam até hoje grande fascínio e atiçam nosso imaginário. Viagens de Eva traz para o público a paixão de Eva Klabin pelas viagens de navio, um dos muitos aspectos interessantes da vida da colecionadora.
Nascida em 1903 no Brasil, filha de pais lituanos, Eva foi educada na Europa e desde muito jovem desenvolveu duas grandes paixões que a acompanhariam por toda a vida: viajar e colecionar. Muitas das obras do acervo da Casa Museu Eva Klabin foram por ela adquiridas durante as viagens que realizou. O visitante poderá conhecer não apenas a maneira como Eva viajava, mas também algumas das obras de arte que enriqueceram sua coleção.
Objetos e documentos de seu acervo pessoal – fotografias, registros de viagens, fôlderes e postais de navios, malas e baús de marcas famosas, além das obras da coleção garimpadas nas viagens – servem de inspiração para esta mostra, que resgata as memórias de viagem da colecionadora e apresenta essa envolvente faceta da história da sociedade do século XX que viajava em um clima de glamour que não existe mais.
Tendo atravessado quase todas as décadas do século passado (faleceu em 1991), Eva Klabin testemunhou as grandes transformações que o modo de viajar sofreu ao longo do século XX: desde o navio como meio de transporte absoluto – inclusive para a massa de imigrantes que se deslocou para as novas terras – até a mudança mais radical, quando, na década de 1950, os aviões a jato encurtaram de vez a travessia do Atlântico e o número de passageiros de avião superou o de navios. Assim, acompanhou a necessidade de as companhias de navegação reinventarem o papel dos grandes navios, os quais se voltaram cada vez mais para os luxuosos cruzeiros. E com isso mantiveram uma clientela fiel, de gente sem pressa, disposta a explorar novos ares, como Eva Klabin, para quem chegar ao destino não era mais importante do que como alcançá-lo.
Vamos embarcar nesta viagem, em ótima companhia…
Eva cumprimenta o comandante do Giulio Cesare, 1967
VIAJAR E COLECIONAR
Muitas eram as motivações de Eva Klabin para viajar. A origem de sua família e a sua sólida formação européia na juventude; a vontade de conhecer novos lugares e respirar novos ares; as boas companhias, geralmente do marido e da irmã; e o prazer de desfrutar o requinte das luxuosas viagens transatlânticas. Mas pode-se dizer que uma de suas maiores motivações, se não a maior, era poder alimentar seu espírito de colecionadora, buscando novos objetos para trazer para casa.
Em suas inúmeras viagens, Eva sempre dedicou tempo à busca de novas preciosidades para dar início a um novo núcleo dentro da coleção ou ampliar algum dos já existentes. Antiquários e casas de leilões, em cidades como Roma, Paris, Londres, Zurique, Viena, Madri, Barcelona, Nova Iorque, Buenos Aires e Hong Kong, eram o destino certo para colocar em prática esta prazerosa tarefa.
As peças foram sendo compradas aos poucos, aproveitando cada oportunidade que surgia, inclusive estabelecendo ligações com marchands locais que finalizavam as vendas ou lhes ofereciam novas oportunidades de compra na sua volta ao Brasil. No período posterior à Segunda Guerra a colecionadora deu maior ênfase às peças italianas, incluindo pinturas e esculturas dos grandes mestres, mobiliário e objetos de arte decorativa. A coleção de pintura inglesa começou em Londres, em 1952, prosseguiu até 1959 e a de pintura holandesa iniciada em 1954, estendeu-se até 1962. Nos anos 1960 e 1970, Eva dedicou-se com mais afinco à procura das peças que viriam completar a coleção, quando reuniu, então, o núcleo dos objetos referentes à Antigüidade, ao Oriente, e às artes decorativas.
Fazem parte desta exposição muitas das peças compradas nas diversas viagens realizadas por Eva Klabin
NAVEGAR É PRECISO
As viagens de navio fizeram parte da vida de Eva Klabin desde a infância até os seus últimos anos de existência. Primeiro destino, a Europa, para onde viajou ainda criança e depois voltava quase anualmente para longas e prazerosas temporadas. Em 1930, descobre a América. Obtém visto de residência nos Estados Unidos e, em junho, embarca no Western Prince para Nova York, onde permanece até agosto de 1931. Neste período, faz uma dublagem para o filme Anybody’s Woman, da Paramount, e escreve para a família: “sou estrela de cinema!”. Muitas décadas mais tarde, é o Oriente que a apaixona; destino exótico e rico em obras de arte para a sua coleção. Isto sem falar das voltas ao mundo!
Eva teve a oportunidade de viajar em muitos dos lendários navios de passageiros existentes entre as décadas de 1910 e de 1980, tendo testemunhado e sido personagem da história de luxo e glamour das viagens transatlânticas do século XX. Entre os muitos navios em que Eva embarcou, foram selecionados para esta exposição alguns dos mais representativos e cujas viagens estão mais bem documentadas nos arquivos da colecionadora. São navios das mais famosas companhias de navegação do período, como a britânica Cunard, a alemã Hamburg-Sud, as italianas Lloyd Sabaudo e Linea C, a norueguesa Bergen, a holandesa Holland America Line e a norte-americana Moore McCormack, entre outras.
VIDA A BORDO
Viajar de navio era muito mais do que simplesmente deslocar-se de uma cidade para outra, era uma forma de viagem em que o tempo era o maior companheiro. Os passageiros não tinham pressa e eram criadas condições para que pudessem usufruir as longas horas da melhor maneira. Havia um planejamento e uma organização minuciosa da vida a bordo para que os passageiros se ocupassem com atividades que lhes dessem prazer. Para os que gostavam de praticar esportes, jogos, ginástica, natação; para os amantes da leitura, uma excelente biblioteca com os melhores títulos; para os cinéfilos, filmes; ou ainda, para os que preferiam uma vida mais contemplativa, o dolce far niente de uma espreguiçadeira no deck vendo o tempo passar; concertos musicais com orquestra a bordo e, mais que tudo, uma intensa vida social nos salões de baile, os encontros e as conversas no deck das piscinas, nos bares ou em torno da mesa, nas salas de almoço e jantar, onde a alta gastronomia era uma presença constante com toda sua sofisticação e requinte.
JANTARES DE GALA
Não há quem não tenha ouvido falar do “Jantar do Comandante” nas viagens de navio. Se hoje ainda é o momento máximo de glamour de uma viagem, em décadas passadas, quando viajar a bordo de um cruzeiro era sinônimo de exclusividade, este evento era ansiosamente aguardado, principalmente pelas mulheres, que tinham ali a oportunidade de mostrar seu charme em suas elegantes roupas, sem falar nas jóias, que davam ainda mais brilho ao evento, e das peles, que não podiam faltar. O que se devia trajar a bordo vinha em recomendações precisas, garantindo o requinte e o glamour das noites al mare.
No cruzeiro musical que Eva fez a bordo do Renaissance foram programados quatro jantares de gala ao longo dos 14 dias de viagem.
Os “Jantares coloridos”, como foram chamados, pediam trajes nas cores escolhidas para cada noite. No Rouge-gorge dominavam os tons de vermelho; no Colibri topázio, a gama dos amarelos; no Gorge bleue, os tons de azul. O Jantar do Comandante foi o último deles, fechando em grande estilo a temporada. Anunciado no programa como uma soiré cintilante, reuniria uma “palheta de todas as cores”. Para os cavalheiros, smoking com paletó branco ou preto.
Para os desprevenidos, uma butique da Galeries Lafayette vendia artigos variados, inclusive flores artificiais feitas especialmente para o cruzeiro pelo artesão que habitualmente fornecia para a Hermès, nos tons adequados a cada jantar.
EM TERRA FIRME, LUXO E DIVERSÃO CONTINUAM
Chegando ao seu destino, Eva continuava rodeada de luxo, conforto e diversão, hospedando-se nos mais tradicionais e requintados hotéis. Em Paris, preferia o Le Meurice, desde 1835 instalado na rue de Rivoli, um dos locais mais chiques da cidade, com vista para o Jardim das Tulherias. Em Roma, se hospedava no Excelcior, na Via Veneto; em Londres, escolhia o luxuoso Claridge´s, em Mayfair; e em Nova Iorque, o Waldorf-Astoria ou o The Plaza. Hotéis célebres por hospedar reis e rainhas, estadistas, artistas, intelectuais e outras celebridades. Eva frequentava também os mais famosos e pitorescos restaurantes, onde desfrutava de momentos alegres e descontraídos em boas companhias.
VIAJANDO COM ESTILO
Um conjunto de malas belas e sofisticadas, com peças cuidadosamente desenhadas e produzidas artesanalmente por maleiros famosos, foi, por muito tempo, quase uma obrigatoriedade entre os viajantes abastados e requintados em seus destinos fantásticos.
Eva sempre viajava com uma bagagem considerável, geralmente mais de uma dúzia de volumes; exigia que sua acompanhante tivesse um inventário preciso de todos os itens e pudesse localizar qualquer um deles em questão de segundos.
Marcas famosas compõem essa coleção de malas, quase sempre com monogramas, sinal de requinte e exclusividade. A francesa Goyard, a italiana Franzi e a americana Hartmann se destacam entre essas “companheiras” de viagem que Eva levava mundo afora.