Expressões do Inconsciente na Coleção Dimitri Ganzelevitch
29 de julho a 10 de setembro
quarta a domingo – 14 às 18h.
Artistas:
Alicio Ribeiro
Emma Valle
Eternit
Joselito José Santos
Raimundo borges
Curadoria: Dimitri Ganzelevitch
Colecionar é um ato de resistência à morte. Uma forma de lidar com a finitude dos objetos e das histórias diante do fluxo do mundo. É colecionador aquele que, diante de uma observação da vida e dos tempos, faz uma escolha: cultural, estética, temporal, mas, principalmente, pessoal.
A Casa Museu Eva Klabin, que foi residência de uma colecionadora — e abriga o acervo formado por ela — recebe uma exposição curada por outro colecionador. Dimitri Ganzelevitch, marchand, fotógrafo e colecionador francês, seleciona obras de cinco artistas de seu acervo para ocuparem a nova sala de exposições temporárias.
Assim como Eva Klabin, Ganzelevitch habita uma casa-museu e de lá seleciona as obras para esta mostra. Trata-se da Casa Museu Solar Santo Antônio, em Salvador (BA), que conta com uma coleção de mais de quatro mil peças.
A exposição “Expressões do inconsciente na Coleção Dimitri Ganzelevitch” visa tensionar a história da arte instituída e bem aceita com trabalhos de irreverência visual, que causem desconforto à arte clássica. A tensão se dá na escolha pelos excluídos por condição psiquiátrica, mas também por questões sociais, como de raça e gênero.
Durante a abertura da mostra, aconteceu um bate-papo com o curador Dimitri Ganzelevitch , Euripedes Junior e Guilherme Gutman sobre o colecionismo, questões psiquiátricas e reflexões filosóficas relacionadas às obras. A mediação foi da jornalista Leila Sterenberg. E quem abriu a palestra foi o presidente, Pio Borges.
Nise da Silveira, inscrita no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria, empurrou para mais longe os limites da loucura. Nas pegadas de Carl Jung, ela deu às pessoas com transtornos psiquiátricos, através da arte, a possibilidade de sair dos labirintos da introversão para começar a se comunicar com o mundo exterior. Hoje, as Imagens do Inconsciente fazem parte de nosso patrimônio cultural.
O pintor Jean Dubuffet, criador do termo art brut em 1945, foi quem abriu aos psicóticos os caminhos da respeitabilidade e do mercado de arte. Mais tarde, Michel Foucault escreveu o livro História da loucura (1961), no qual lembra que pessoas com transtornos psiquiátricos faziam parte da sociedade até o século XIX, quando foram confinados para tratamento. Tratamentos que, com frequência, agravavam sua condição.
Foucault, nesse livro, descreve como operam as técnicas de exclusão, tema que perpassaria toda a sua obra posterior. No caso dos transtornos psiquiátricos, a vigilância da definição da fronteira entre a razão e a loucura, que indicaria a remoção do convívio social, não coube exclusivamente à medicina, mas também a dirigentes.
Vivemos hoje novos tempos de exclusão — desta vez, pela política de cancelamento, muitas vezes digital. A polarização levou à existência de “tribos” que se recusam a ouvir a outra parte. O “discurso”, no seu sentido original (andar ao redor), tornou-se impossível. Os filtros de bolha nos preenchem de informações que “curtimos” e corroboram nossas convicções.
Nesta exposição na Casa Museu Eva Klabin, apresentamos obras de cinco artistas, cujos distúrbios resultam em obras fortes e com identidade marcante.
O escultor Joselito José Santos, de Cairu (BA), surpreende pela carga ancestral africana, diria que atávica, já que se trata de um homem praticamente iletrado com difícil acesso à informação.
Os quatro trabalhos de Alicio Ribeiro Santos foram encontrados numa exposição na penitenciária Lemos de Britto em Salvador. Fica bem definida a ânsia pela liberdade.
Quanto ao misterioso Eternit, o conheci quando transportava no Terreiro de Jesus, também de Salvador, os três pedaços de compensado num plástico transparente. Após pedir alguns milhões pelas obras, acabou cedendo-as por uma importância mais razoável.
Do Raimundo Jorge Falcão, cujas fantasias já foram expostas em Nova Iorque no contexto dos outsiders, apresentamos alguns acessórios usados durante o carnaval.
Enfim, temos com as obras Emma Valle, considerada por muitos na Bahia uma das artistas mais fortes do cenário artístico local — sabe-se que ela começou a criar sob a influência do artista argentino Eckenberger — outro trabalho entendido como “fora das normas”.
Esta exposição visa ouvir os excluídos da forma mais radical, e nos encorajar a examinar os limites pelos quais uma cultura rejeita algo que será para ela o Exterior.
Dimitri Ganzelevitch
José Pio Borges