RESPIRANDO O RESPIRAÇÃO | QUARTO DE DORMIR
A exposição virtual RESPIRANDO O RESPIRAÇÃO traz para o público as intervenções realizadas na Casa Museu Eva Klabin desde 2004, mas de uma forma original e bem distinta daquela apresentada usualmente ao visitante.
Além da experiencia ser digital, em função da situação vivida neste momento em que o museu se encontra temporariamente fechado por causa da Pandemia de Covid19, as intervenções não serão apresentadas por edições, como quando realizadas na Casa Museu, mas sim de acordo com os ambientes onde aconteceram.
Esse deslocamento implica na visão não de um conjunto de intervenções de um mesmo artista em um determinado momento, mas na percepção da criação de diferentes artistas, em diferentes momentos, para um mesmo espaço.
E como o Projeto Respiração trata exatamente da possibilidade de novas leituras do espaço e da coleção da Casa Museu Eva Klabin, acreditamos que essa exposição virtual poderá oferecer uma nova forma de fruição deste projeto para o nosso público.
A cada módulo da exposição virtual RESPIRANDO O RESPIRAÇÃO, será escolhido um ambiente da casa museu. O de hoje é o Quarto de Dormir de Eva Klabin.
O PROJETO RESPIRAÇÃO
Concebido em 2004, o Projeto Respiração tem por objetivo criar intervenções de arte contemporânea na Casa Museu Eva Klabin, ideia surgida a partir da vontade de estabelecer outras camadas de leituras do acervo, que é basicamente de arte clássica.
Como lidar com um acervo muitas vezes engessado pela própria circunstância de sua criação, que foi a de deixar para a memória coletiva da sociedade brasileira uma coleção que é um resumo dos principais momentos da história da arte clássica, circunscrito em uma ambiência de casa-museu que reflete o gosto pessoal e os hábitos sociais de sua instituidora?
A resposta a esse desafio foi convidar artistas capazes de estabelecer outras camadas de leitura do acervo, criando fricções de linguagens entre a arte consagrada do passado, incorporada ao patrimônio, e as manifestações contemporâneas. Esses atritos são provocados não só pelo acervo ou pela história da arte, como também por outras questões específicas de uma situação de casa-museu. Essas vão desde o fato de as obras estarem expostas em um ambiente doméstico, em oposição a um ambiente tradicional de museu, até outras implicações mais sutis como a relação entre o que é pessoal e o que não é socializável, entre o espaço da intimidade de uma residência e o de um ambiente de um museu de representação coletiva.
O objetivo é que o artista convidado utilize como rastilho estético a sua leitura dos espaços vazios – dos espaços que existem entre as coisas – e que nos permitem perceber as coisas. É uma proposta de trabalhar com as zonas adormecidas, silenciosas e de descanso, que não são imediatamente perceptíveis, mas são o que garantem a nossa percepção do espaço. Dessa forma o artista está criando novas relações espaciais no acervo da casa museu, oxigenando, revitalizando e atualizando o sentido dessa coleção. Por isso: Respiração.
AS INTERVENÇÕES NO QUARTO DE DORMIR DE EVA KLABIN
Quando um artista é convidado a participar do Projeto Respiração, ele tem a liberdade de escolher em quais ambientes deseja intervir. O processo para essa escolha é muito variado, mas geralmente implica em um período de vivência e experimentação nos diversos ambientes da casa, justamente em função do diferencial desses espaços expositivos, já carregados de objetos, memórias, presenças e simbolismos.
Em 18 das 24 edições do Projeto Respiração que aconteceram até hoje, o Quarto de Dormir de Eva Klabin foi escolhido para a realização de intervenções.
De fato, o ambiente causa admiração pela sua grandiosidade e imponência. Ao mesmo tempo, este é o cômodo que revela mais sobre a intimidade da colecionadora, o que desperta interesse e curiosidade.
Apesar da decoração mais leve em relação a outros ambientes da casa, o quarto possui uma intensidade garantida pelo contraste da cama barroca dourada com o tom suave de cinza-azulado das paredes e pela presença imponente e delicada do grande cartão de tapeçaria, Meninos pescando, do italiano Giovanni Francesco Romanelli.
Uma sensual chaise-longue, forrada de tecido adamascado cor de rosa, repousa sobre um magnífico tapete persa Tabriz, com cenas de caça. Do lado direito, destaca-se um console dourado do barroco napolitano e, acima dele, um conjunto com doze placas de esmalte de Limoges representando as Sibilas, trabalho do pintor e gravador francês Léonard Limosin. No amplo teto, um belo lustre francês com pingentes de cristal Baccarat confere um ar de nobreza ao cômodo.
Os ambientes contíguos ao quarto – um closet espelhado que acomoda as elegantes roupas e acessórios de grifes famosas usadas por Eva Klabin e uma “sala de banho” revestida de lambris de madeira e mosaicos de pedra azul – complementam este cenário de encantamento.
E foi justamente esse o ambiente escolhido por muitos dos artistas que participaram do Projeto Respiração para realizar suas intervenções e que hoje trazemos para esta exposição virtual.
A cama barroca, elemento dominante do quarto, serviu para acolher os ovos, utilizados por Anna Maria Maiolino como símbolo de fertilidade e cuidado na sua obra. O ambiente foi preenchido por um som de cochicho entre três mulheres, em uma espécie de “tatibitate” de uma língua inventada, dando um senso de intimidade e mistério vindo do universo feminino.
A cama foi também envolta em uma caixa de vidro, oxigenada por um fole gigante, para assim pulsar na intervenção de Nuno Ramos, numa espécie de solilóquio em que a Respiração forçada ocupava o lugar da fala.
E foi coberta com uma espécie de dossel epidérmico por Ernesto Neto, que, em conjunto com a chaise-longue estabeleceu um campo de visualidade sensível envolvendo a realidade, ao explicitar conteúdo e continente como unidades reversíveis e intercambiantes de uma mesma superfície.
A chaise-longue foi protagonista também ao, com sua extrema leveza, suavidade e brilho, receber uma das pesadas e escuras e bolas de ferro do artista Rui Chafes.
Em Substituições, de Daniela Thomas, ela cedeu seu lugar a uma gravação que a descrevia em detalhes – uma ausência presente.
Os monitores e os sons de Paulo Vivacqua sobre a pesada arca italiana de madeira escura, teciam uma narrativa a ser preenchida por nossa imaginação e sensibilidade. Seus sons e silêncios, como revelações de segredos, nos permitiam ver melhor a coleção.
Já o gotejamento constante criado por Marta Jourdan nas paredes do quarto criou um ambiente singular, com a formação de desenhos projetados em tempo real sobre as superfícies das paredes, quadros e móveis, como se fosse um quase cinema, uma máquina do instante.
Os desdobramentos do closet, criados por José Bechara, invadiram o ambiente como que para ocupar o vazio deixado por Eva em seu próprio quarto, como se os armários sentissem saudades da sua presença.
No quarto escuro criado por Sara Ramo, as imagens surgiam e iam se formando envoltas em penumbra, após uma longa permanência e a um acostumar dos olhos.
As radiantes projeções de Daniel Blaufuks, convidavam a lidar com o tempo da memória que nos atravessa a todos, e preencher essa forma sem forma, que é o passado com o contorno do presente.
O novo personagem levado para o Quarto de Dormir por Marcos Chaves, com apenas os olhos iluminados por um feixe de luz, espiava o ambiente e quem sabe, a própria Eva em sua intimidade.
Na intervenção de Regina Silveira, uma projeção de uma mosca no teto sobre a cama nos transportava para uma espécie de sonho ou pesadelo, acompanhando as noites insones de Eva Klabin.
Por outro lado, João Modé recuperou e congelou a visão da luz do pôr do sol, vazando pelas portas-janelas que dão para a varanda do quarto, de maneira a reestabelecer o momento em que Eva Klabin despertava.
Rosangela Rennó retirou da Sala verde a pequena pintura Alma Mater, do artista inglês George Romney, e colocou-a ao lado da cama, para que começasse a falar sobre a maternidade quando o visitante se aproximava. O tema é muito presente na coleção e, com essa intervenção, Rosangela Rennó soma à visão da obra Meninos pescando, dominante na decoração do quarto, o sentido da maternidade.
Já a dramaticidade das três pinturas apresentadas por Eduardo Berliner, a contrastar com a ¨festa¨ promovida pelo coletivo OPAVIVARÁ! com seu globo espelhado, é capaz de revelar a riqueza e a consistência conferidas pelos artistas a esse projeto.
E, finalmente, nas duas edições do Projeto Respiração realizadas com obras de artistas já falecidos, o curador Marcio Doctors escolheu o quarto de dormir, tanto para uma peça em flutuação do artista Artur Bispo do Rosário, quanto para a viagem de Franz Krajcberg pelo rio Negro, projetada em uma das paredes.
Fotos: Mario Grisolli
ANNA MARIA MAIOLINO | é | RESPIRAÇÃO 12
O desejo de Anna Maria Maiolino é tocar no que “é”. Mas o que significa isso? Significa dizer que a realidade é transparente e o mistério, aparente. Talvez a imagem da primeira aparição de Deus a Moisés possa evocar o que estou procurando expressar. Deus se apresenta na imagem de uma sarça ardente; um fogo que não consome o arbusto que está queimando. Em outras palavras, “o que é” é o mistério da essência. Não é imprescindível que a potência se realize – que se consuma- mas é fundamental que a potência se revele como essência imanente. A aparência com que Deus se apresenta não é do fogo que queima e destrói, mas a da força capaz de arder sem destruir: potência criadora.
O que Anna Maria Maiolino busca explicitar por meio de sua intervenção é, no Projeto Respiração, é a arte como energia criadora. Maiolino introduz na sua video instalação, através de uma figura feminina de vermelho que caminha silenciosamente levando adiante a chama de Prometeu, o desejo criativo da paixão e do conhecimento. A artista projeta nessa figura a força da resistência e da permanência da arte, mas, ao mesmo tempo, habita a casa com sons que trazem de volta a vida nas suas múltiplas dimensões, que a casa, ao tornar-se museu, silenciou.
São sons que chamam pelo nome de Anna, pelo nome de Sandra, a performer; é o som da flauta de seu neto; são sussurros e falas incompreensíveis, respirações e suspiros; é a voz cansada de Anna declamando Santa Teresa de Ávila:
“Vivo sem viver em mim.
E de tal maneira espero,
Que morro porque não morro.”
Trecho da performance “é”. Performer: Sandra Urizzi | Fotos: Mario Grisolli
NUNO RAMOS | PERGUNTE AO | RESPIRAÇÃO 8
O encontro da obra de Nuno Ramos com a coleção e com a casa de Eva Klabin produziu uma tensão visual positiva e ousada na trajetória do Projeto Respiração. Na intervenção Pergunte ao, por exemplo, o que se dá a ver é o que esconde a obra, e o que esconde a obra faz com que ela se veja no lugar de ser vista. A parte “refletiva” do espelho revela a imagem da obra para ela mesma e a parte opaca do espelho nos devolve o mistério da visibilidade na forma de uma pergunta. Há nessa inversão, provocada por Nuno, a tentativa de explicitação do processo de consciência das coisas: pergunte a si mesmo no silêncio/cegueira das imagens e encontre você mesmo a sua resposta.
Na série das Vitrines, as esculturas e os objetos da casa falam. Nuno cria textos especiais para a escultura de autoria anônima de Santa Teresa de Ávila do barroco austríaco, para o relógio Luís XIV, para as poltronas da Sala Inglesa e para a mesa da Sala de Jantar. O artista não quer trazer a obra de arte para dentro do circuito da vida, nem há qualquer proposta mimética na sua intencionalidade. Ao contrário, propõe nos levar para dentro do universo da arte e, mais uma vez neste caso, através de uma interdição: os objetos da casa-museu estão aprisionados dentro de uma redoma (fina ironia com as vitrines dos museus!), que possibilita que estabeleçam monólogos e diálogos. A visibilidade nua é encapsulada pela retórica, e a imagem se faz verbo.
Ao juntar, na superfície da percepção, palavras e imagens, ele está explicitando que quando lidamos com a irredutibilidade entre o mundo das imagens e das palavras, não podemos equacionar a realidade através da causalidade. Palavras não são nem causa nem efeito das imagens e tampouco imagens são efeitos ou causa das palavras. O que nos resta são associações que surpreendem a realidade do mundo no pulo. E surpreender esse momento do salto é do que trata a obra de Nuno Ramos. Não há como explicá-la; resta-nos desvendá-la através da identificação muda: Nudez e mudez.
Fotos: Vicente de Mello
ERNESTO NETO | CITOPLASMA E ORGANÓIDES | RESPIRAÇÃO 2
O que é poderoso na obra de Ernesto Neto é o fato de não ser suficiente falar de um trabalho seu especificamente. Há nele uma potência abrangente que nos move a pensar a totalidade de sua obra. A coerência de Neto é seu comprometimento e sua atenção com a atualidade de seu tempo e com a energia afetiva que é capaz de extrair daí. Ele propõe que sua obra seja uma espécie de epiderme do mundo. Trabalha no limite das terminações nervosas da sociedade, ao estabelecer um campo de visualidade sensível que envolve a realidade ao explicitar conteúdo e continente como unidades reversíveis e intercambiantes de uma mesma superfície; de uma mesma realidade topológica.
O que lhe interessa é a porosidade do mundo e a possibilidade de atravessar os fluxos que movem a realidade. Para ele não há nada mais radical do que a própria realidade. Sua intensidade inventiva busca dar consistência a essa ideia; dar espessura ao tecido-pele ao envolver, como nos organismos vivos, tanto o limite externo do corpo, quanto todos os órgãos internos. Transfere essa ideia para o organismo social e busca através da construção de sua obra explicitar os diferentes fluxos que atravessam o campo da atualidade.
Para o projeto Respiração concebeu a intervenção Citoplasma e organoides, que definiu desta maneira: “é como se a casa fosse o citoplasma e eu estivesse colocando organoides nela”. Em outras palavras, a casa e a coleção passaram a ter a função de um espaço intracelular, que é o espaço entre a membrana plasmática e o envoltório nuclear, que é preenchido por um fluido onde ficam suspensos os organóides, que seriam as obras propriamente ditas que o artista criou para esse espaço.
Fotos: Vicente de Mello
RUI CHAFES | NOCTURNO | RESPIRAÇÃO 7
O imaginário insólito da forma nas esculturas de Rui Chafes, assim como o uso da palavra nos seus títulos suscitam no espectador uma identificação silenciosa e imediata. Tanto os títulos quanto as formas extraordinárias de suas esculturas são como aparições que traduzem o espírito de nossa época por uma identificação que não é possível de ser enunciada. A identificação com as suas obras se dá porque tanto os seus títulos, como, por exemplo, Suave e indulgente escuridão ou O estreito espaço que separa a amabilidade da saciedade, quanto as suas imagens são tratados como fragmentos. Isto é, são como recortes de questões maiores do que nós, mas que nos falam de forma direta, como se estivessem sendo destinadas especificamente para nós. É uma capacidade de síntese poderosa – uma quase epifania – capaz de criar imagens que resumem a percepção do sentido de nossa época, sem que consigamos especificar exatamente o porquê.
A esse processo chamo de identificação: o momento em que as palavras cedem o lugar para a imagem. Os títulos na obra de Rui Chafes tem a função de preparar o território da imagem. Criam uma predisposição perceptiva para que possamos perceber a diferença. Eles chamam a atenção para a intenção do artista, que está explicita na obra, mas que muitas vezes o material camufla. O que faz ver são as palavras, as imagens criam presenças que se remetem às palavras, fechando um círculo.
Se é certo que não é possível reduzir as palavras às coisas, que são incomunicáveis porque irredutíveis umas às outras, podemos, no entanto, perceber que na ordem da arte a identificação estabelece um fluxo entre palavras e imagens. Esse fluxo é possível quando não há nenhuma preocupação descritiva; as palavras não pretendem dar conta da imagem, nem as imagens pretendem dar conta das palavras. A genialidade de Rui Chafes está em tirar partido desse fato.
Foto: Vicente de Mello
DANIELA THOMAS | SUBSTITUIÇÕES | RESPIRAÇÃO 11
Daniela Thomas propõe que imaginemos a obra na sua ausência. Assim como Eva Klabin retira de circulação as obras do mercado para aprisioná-las na sua coleção, Daniela Thomas retira algumas obras do museu para prender a nossa atenção, preenchendo o espaço-visão da casa com o murmúrio-tempo das vozes, que descrevem as obras retiradas.
Fotos: Mario Grisolli | Voz: Danielle Jensen
PAULO VIVACQUA | VISITA | RESPIRAÇÃO 5
O espaço bidimensional acolhe com precisão o pensamento linear implícito na nossa forma de olhar – a mesma que a perspectiva solicita para vermos uma obra de arte. Quando se penetra na profundidade do espaço são acionadas outras formas de percepção para além da visão. Passamos a ter de lidar com todos os nossos sentidos.
O som na obra de Paulo Vivacqua não é uma trilha sonora para a casa-museu de Eva Klabin. Ao pontuar a casa com som, está criando um condutor para o olhar ao mesmo tempo em que nos convida a penetrar na profundidade do espaço. Ele não está ilustrando, mas tecendo uma narrativa que deverá ser preenchida por nossa imaginação e sensibilidade. Sua interferência é sutil e tem a mesma densidade de propósito do último ato da vida de Eva Klabin, que foi o de musealizar sua existência. O convite de ambos é claro: entrem e participem de meu universo pessoal; entrem e criem suas narrativas. Visitem. Por isso, Visita.
A obra de Paulo Vivacqua, assim como nós, visita a coleção e se comporta como tal. Respeita os espaços e a lógica expositiva da fundadora, sugerindo desvios, pontuações e comentários. O artista utiliza a sua obra como um fio condutor de sussurros que nos guia na profundidade do espaço dessa residência. Seus sons e silêncios são como revelações de segredos que nos permitem ver melhor a coleção. Ao transformar o som em obra visual, Paulo Vivacqua nos indica um universo em ebulição constante de sentidos e dos sentidos. O som, que nos dá a dimensão de profundidade que a imagem virtual nos roubou, nos ajuda a perceber a espessura da realidade como exercício constante de uma metafísica da imanência.
Foto: Vicente de Mello | Filmagem: Tv zero
MARTA JOURDAN | ZONA DE LANÇAMENTO #1 | RESPIRAÇÃO 6
Zona de lançamento # 1 é uma máquina do instante. É um retroprojetor que, no lugar de projetar imagens paradas a partir de um suporte transparente, projeta gotas d’água. Como a projeção ocorre ao mesmo tempo em que as gotas estão pingando sobre a base de vidro do retroprojetor, vão se formando desenhos em tempo real sobre a superfície projetada como se fosse um quase cinema. As gotas d’água reproduzem ampliando, na superfície projetada, os mesmos movimentos da água e criam uma impressão de que a superfície está se liquefazendo.
A intervenção de Marta Jourdan explicita o tempo como instante, como prova de que não é possível retê-lo; de que não se consegue interromper a sua passagem, por isso ele não nos é interno; somos nós que estamos no seu interior.
A pertinência dessa obra no contexto do Projeto Respiração é que ela nos questiona sobre como é possível paralisar o tempo, tal como proposto por Eva Klabin ao musealizar sua vida, através de sua casa. De fato, se não é possível parar o tempo, é possível criar estratégias de resistência. A arte é a maior dessas resistências, ao fazer com que o passado se materialize no presente, através de presenças materialmente concretas.
Ao liquefazer as paredes e os objetos do quarto de dormir de Eva Klabin, Marta Jourdan criou um ambiente híbrido, metamorfoseando o espaço para nos falar da sensação e da percepção contemporânea de um tempo que se esvai com mais intensidade. Essa consciência pode ser apaziguada pelas estruturas museológicas (daí sua crescente importância no mundo atual), como um instrumento que temos para fazer o tempo girar mais devagar. Não de pará-lo, mas de fazê-lo passar mais lentamente.
Fotos: Vicente de Mello | Vídeo: Marta Jourdan
JOSÉ BECHARA | SAUDADE | RESPIRAÇÃO
Quando convidei Bechara para o Projeto Respiração foi por causa do seu projeto A casa, realizado em Faxinal do Céu (PR), com curadoria de Agnaldo Farias e Fernando Bini. Bechara foi convidado como pintor e saiu da experiência com escultor. Bechara não conseguiu pintar, mas transformou a casa que estava ocupando em um manifesto plástico visual em que os móveis da casa foram expelidos pelas janelas e portas. Através desse ato de revolta formal e sígnica, o artista conseguiu expandir e requalificar o sentido de sua obra.
Ao contrário do que se poderia imaginar de imediato há uma forte relação entre suas ”pinturas” feitas a partir de lonas de caminhão, peles de animais ou processos de oxidação, e o projeto A casa. “Desviar uma determinada matéria de seu destino” é a operação formal e conceitual que Bechara propõe quando lonas de caminhão abandonam a função à qual estavam destinadas e passam a operar no registro da arte como passagem do tempo; ou quando a casa, feita para acolher, se revolta contra seu destino e expele para fora o mobiliário, subvertendo a relação continente/conteúdo.
Da mesma maneira, a proposta curatorial do Projeto Respiração é buscar desvios a partir de uma situação de casa-museu de colecionador. A intervenção proposta por Bechara é resultado de uma conversa em que comentei que tinha a sensação de que Eva Klabin não havia morrido, mas que um belo dia decidiu ir embora, bateu a porta e deixou a casa tal como estava. Bechara, então, imaginou que a casa sentia saudade de sua antiga proprietária. Paredes, portais escadas e armários embutidos se multiplicariam e preencheriam o vazio deixado por ela. Através da intervenção Saudade de Bechara é como se todos os espaços da casa ficassem prenhes de vida própria. Tudo passa a reverberar na imaginação fabular e a casa adquire autonomia. Os objetos adquirem vida. O artista cria uma fábula barroca em que o mundo fala. O resultado, uma estética do excesso. O método, a metamorfose.
Fotos: Zeka Araújo
SARA RAMO | PENUMBRA | RESPIRAÇÃO 15
Sara Ramo é noturna. Assim que visitou a casa, o que chamou a sua atenção foi o fato de Eva Klabin trocar o dia pela noite; de viver na penumbra e não na luz do sol, numa cidade solar. O lugar da penumbra é também quando estamos mais próximos do sono, imersos nas fantasias hipnagógicas. É dessa sensação que surge a intervenção Penumbra, como se víssemos aquilo que normalmente não podemos ver quando as pessoas dormem. O quarto ficou completamente escuro e as pessoas tinham que se acostumar a ver na escuridão como se estivessem penetrando no espaço do sono e do sonho. Sara Ramo trouxe à superfície da realidade um cenário ao qual só temos acesso na nossa intimidade e que ao ser revelado cria um deslocamento que dá a dimensão real daquilo que nos aparece como irreal. Ela desencadeia uma percepção fílmica ao revelar o negativo da casa, do museu e da manhã.
Fotos: Mario Grisolli
DANIEL BLAUFUKS | TRÊS QUARTOS DE MEMÓRIA | RESPIRAÇÃO 14
A intervenção Três quartos de memória, de Daniel Blaufuks, vem da consci- ência de uma impossibilidade totalizante da memória. A memória do passado é necessariamente lacunar; cheia de falhas, buracos, alternâncias entre ausências e presenças. O que o artista nos propõe é perceber, no abismo do passado, o limite do vazio, cujos contornos nos escapam, e aceitá-lo. Ele propõe preencher essa forma sem forma, que é o passado, para que essa ação nos dê o contorno de nossa memória; de nosso presente: por isso devir passado.
Fotos: Mario Grisolli | Trecho do vídeo: Daniel Blaufuks
MARCOS CHAVES | I ONLY HAVE EYES FOR YOU | RESPIRAÇÃO 17
Marcos Chaves aproximou-se da Fundação Eva Klabin como se quisesse libertá-lo da estranheza provocada pela clausura das camadas de tempo que foram se superpondo ao longo dos anos, pelo acumulo de objetos de arte de várias épocas e pelo número de anos que a proprietária está ausente desta residência, atribuindo-lhe um ar de presença ausente que pesa no imaginário daqueles que aqui entram. O artista desejou primeiro dar leveza a casa-museu, fazendo uma espécie de lavagem espiritual, o que, de certa maneira, é uma das intenções do Projeto Respiração, quando propõe oxigenar a casa ao presenteá-la com a arte de nosso tempo, introduzindo outro ar capaz de lhe dar nova vida.
Na obra I Only Have Eyes for You (Só tenho olhos para você), título retirado da canção de All Dubin e Harry Warring, de 1934, que pode ser ouvida na gravação de Art Garfunkel no quarto de dormir de Eva Klabin, e que dá título à exposição, por exemplo, Marcos Chaves instaura uma circularidade de olhares que começa com o seu olhar sobre Eva Klabin e culmina com o publico vendo, através do seu olhar, a casa e a coleção. Nessa obra os olhos de Nicolaus Padavinus, pintado por Tintoretto, são iluminados de tal maneira que estabelece uma troca quase íntima de olhares entre o retratado (ou Tintoretto) e a cama da colecionadora (ou Eva Klabin).
Essa maneira direta de tratar a realidade indica uma forma de transparência que evidência que o mistério do mundo não se esconde; que a metafísica é imanente ao real e que os artistas são seres capazes de transmitir isso. Marcos Chaves, através de jogos semânticos, extrai visibilidades das palavras e, dessa maneira, realoca a imagem numa nova realidade, evidenciado que mesmo aquilo que nos parece óbvio e banal carrega consigo uma riqueza que pode nos passar desapercebida.
Fotos: Mario Grisolli | Música: I Only Have Eyes For You (composição Harry Warren e Al Dubin. Intérprete Art Garfunkel)
REGINA SILVEIRA | INSOLITUS | RESPIRAÇÃO 21
Regina Silveira trouxe à Casa Museu Eva Klabin suas investigações sobre o insólito e o maravilhoso como forças poderosas que fazem parte do tempo fragmentado da contemporaneidade. Para a artista, assume-se na atualidade uma postura avassaladora e impensada na apreensão dessas dimensões que resultará no futuro em uma consequência nefasta. A exposição Insolitus trata desse tempo de espera inquietante.
Há, na Sala Renascença, a obra Dark Swamp, um ovo negro (ainda não chocado) de 1,80 m, cercada por um pântano de crocodilos. O avistamos sob um som misturado de helicópteros e mosquitos, vindos da obra Fábula II no Hall de entrada. Na Sala Verde encontramos Mutante II, um carrinho de chá em processo da metamorfose. Na sala de jantar, a ação já está completa. Um pelo negro cobre toda mesas e cadeiras em Mutante I.
Para a curadoria, Insolitus é, ao mesmo tempo, a pulsão negativa que surge em um mundo de incertezas e a esperança, pois é a partir do impacto da estranheza que acontece um chamamento para a ação. É o incômodo que evidencia o caminho pérfido que o mundo está trilhando e o desperta. Tal leitura não reduz a obra da artista a uma questão político-partidária, mas ressalta a generosidade de sua ação.
Regina Silveira explicita elementos que fazem parte da proposta do Projeto Respiração, que é desestabilizar os códigos do museu e retirá-lo do conforto doméstico da casa. É através dessa perturbação que podemos encontrar novos equilíbrios.
Fotos: Mario Grisolli
JOÃO MODÉ | INVISÍVEIS | RESPIRAÇÃO 10
Com a intervenção denominada Invisíveis, João Modé nos oferece obras que trabalham no limite entre os mundos da presença material e imaterial que emana dos objetos da coleção e entre os tempos do objeto musealizado e de quando esses objetos eram parte da vida cotidiana da casa.
Sua primeira ação foi escolher um dos ambientes da casa para habitar e o denominou Cafofo. Sentiu a necessidade de conviver na fundação não só como museu, mas também como residência. Escolheu ocupar um dos sótãos que está fora do circuito de visitação e integrá-lo ao circuito, criando um espaço de suspensão onde o visitante pode experimentar um tempo menos acelerado e de contemplação. Nesse lugar, Modé se permitiu conviver com a ambiência da casa para se permitir novas paisagens mentais.
Com o trabalho Lusco-fusco cria uma atmosfera de luz limítrofe entre o dia e a noite, que é o mesmo lugar da sutil percepção do momento do “entre”, quando uma coisa deixa de ser o que é para ser outra. Essa opção estética fica ainda mais evidente na obra Alma [de Santa Teresa de Ávila], quando ele simplesmente desloca a posição da escultura barroca, posicionando-a de costas no alto da escada, de forma que a luz do abajur crie – para o olhar daquele que sobe a escada – um halo luminoso em torno dela, revelando o seu interior, que é oco.
Ao empreender uma ação sutil e quase invisível de deslocamento e descolamento da percepção, muda a relação sensorial com o ambiente e conserva a arte como a experiência capaz de preservar no homem a dimensão espiritual.
Fotos: Vicente de Mello
ROSÂNGELA RENNÓ | CÍRCULO MÁGICO | RESPIRAÇÃO 18
O que Eva Klabin nos apresenta e nos convida a conhecer na sua casa-museu é o momento final da “captura” de um objeto de arte quando ele é retirado do mercado por meio da compra e aprisionado no círculo mágico – ao qual se refere Walter Benjamin no seu texto Desempacotando minha biblioteca. A partir desse momento a obra de arte passa a ficar congelada numa existência fora do tempo das trocas comerciais. No caso específico da Casa Museu Eva Klabin, esse movimento se intensifica na medida em que as obras são conservadas na residência em que Eva Klabin viveu e conviveu com sua coleção.
O que Rosangela Rennó propõe é criar um novo circulo mágico com os objetos da coleção, fazendo com que revelem aquilo que está por debaixo do que vemos. Cria um dispositivo sonoro-luminoso que, através do som, nos faz ver o que está por debaixo da coleção, desencadeando de forma bem-humorada a fala da “memória” do objeto a partir de sua história enquanto objeto e a sua inserção no conjunto mais amplo da coleção. A voz é o elo que nos une a eles. Seus passados se revelam na medida em que se fazem presentes aos nossos sentidos. Como num clarão, evidenciam a concomitância do passado e do presente na atualidade, inconformados de serem prisioneiros da visibilidade que os silencia na história contada pela história a arte. Eles desejam ser a voz viva da história da sua condição. É como se ela atribuísse a eles o poder de revolver a superfície da coleção Eva Klabin e fazer emergir de suas histórias o tempo denso da atualidade que suas existências impõem através de suas presenças. O passado deixa de ser latente para ser explicitamente real. Esse é o círculo mágico de Rosangela Rennó. Esse é o círculo mágico do Projeto Respiração.
Trecho do vídeo Círculo Mágico de Rosângela Rennó | Filmagem: Mario Grisolli
EDUARDO BERLINER | A PRESENÇA DA AUSÊNCIA | RESPIRAÇÃO 20
Eduardo Berlirner foi o primeiro pintor a participar do Projeto Respiração. Nos anos anteriores optou-se por trabalhar com instalações por serem elas mais facilmente absorvidas dentro da Casa Museu, cujas paredes são totalmente preenchidas por pinturas.
A presença de um pintor possibilita uma expansão do pensamento sobre o rompimento com a representação vista na arte pós-neoconcreta, questão que fundamenta os interesses do curador do projeto. Ainda além, a obra de Berliner evidencia, mais do que a presença através da representação, uma ausência. Seu trabalho revela a potência da arte pois manifesta a metafísica imanente das coisas.
A escolha do artista pela universo da colagem não busca o acúmulo de informações, mas evidencia o que desaparece quando as imagens são sobrepostas. Trata-se de uma estética do acidente, da metamorfose dos corpos conectados após um desastre – onde se vê a falta do que existia anteriormente. É juntamente na radicalidade dos elementos visíveis que o artista encontra a aparência fantástica da realidade.
Sua ação evidenciou um processo já vivenciado na Casa Museu, onde elementos das mais distintas épocas e lugares coabitam em uma mesma sala. O olhar do artista proporciona a metamorfose dos muitos detalhes presentes no acervo, pois assume o caráter expressivo, e não representativo, da arte.
Fotos: Mario Grisolli
OPAVIVARÁ! | BOCA A BOCA | RESPIRAÇÃO 24
Na 24ª edição do Projeto Respiração foi o coletivo OPAVIVARÁ! que fez a festa de comemoração dos 15 anos do Projeto RESPIRAÇÃO.
Uma das qualidades do coletivo é que eles resignificam as noções entre o público e o privado. O território da Casa Museu Eva Klabin e do Projeto RESPIRAÇÃO é absolutamente condizente com esse espírto porque propõe uma ação numa instituição museológica de caráter público, mas que conserva as caracterísitcas de uma residência, que é eminentemente o território do privado.
A ação do OPA adequou-se perfeitaamente ao RESPIRAÇÃO porque, assim como o projeto pretende trazer de volta o fluxo da vida que foi interrompido quando a casa se tronou museu, a ação do OPA questiona, transgride e recontextualiza os valores estabelecidos e convencionados pelas instituições museológcas.
Seu trabalho se alinha com as questões levantadas pela ruptura pós-neoconcreta, quando se buscou uma aproximação da arte com as esferas da vida. Artistas como Lygia Clark,Lygia Pape e Hélio Oiticica se aproximaram da dimensão concreta da realidade e desenvolveram trabalhos que dependiam de uma dimensão realcional para que a obra acontecesse.
A energia criativa do OPAVIVARÁ! se pauta nesta mesma dimensão, buscando um carácter convidativo e sedutor, atraindo as pessoas para experiências coletivas que evocam o prazer cotidiano comumente menosprezado.
O coletivo assume uma postura festiva e alegre, que é típica do que se convencionou como sendo o bom humor carioca, como forma de evidenciar as relações interpessoais e interespaciais nas grandes cidades. Pela Casa Museu espalharam-se obras que evocavam tais tensões. Em Pornorama, por exemplo, um grande dossel coletivo ocupou a Sala Renascença e os visitantes eram convidados a observarem o acervo de outro ângulo, deitados ou podiam também simplesmente relaxar, e nessa postura, desafiar o tempo rápido da vida contemporânea.
As espreguiçadeiras multi evocaram a vida da cidade, que é solar, numa casa imersa na penumbra; o Sofaraokê, trouxe de volta para a casa a boemia vivida nas próprias noites da Eva Klabin. Significativa foi a obra Panis et Circenses, uma bolha que oxigenava a sala de jantar em um processo semelhante ao de uma respiração. Ela possibilitava que a mesa da Sala de Jantar, antes musealizada e destituida de sua função original, voltasse a ser utilizada como local para se alimentar, só que agora protegida pela bolha que impedia que os detritos de comida se espalhassem pelo espaço antissetico do museu, necessário para a preservação das obras de arte. E no Quarto de Dormir, o Globo espelhado espalhava sua luz fantasiosa, criando uma atmosfera festiva de sonho, alegria e imaginação.
Fotos: Mario Grisolli
BISPO DO ROSÁRIO | FLUTUAÇÕES | RESPIRAÇÃO 22
Houve um certo incômodo em escolher o Bispo do Rosário como participante do Projeto Respiração. Espalhar suas obras pelo museu aparentava uma espécie de distorção da integridade que lhe era natural, já que eram todas originalmente guardadas pelo artista na cela da Colônia Juliano Moreiro onde fazia seus objetos. Entretanto, sua cela funcionou como uma célula. Foi a partir da multiplicação dessa unidade mínima que surgiu um corpo robusto, o conjunto de suas obras. Elas são um cosmos formado, em cada particularidade, pelo todo indivisível.
Bispo do Rosário, que era considerado enfermo pela medicina, encontrou-se lúcido no meio das artes. Mas ele não produzia sob a preocupação de estar fazendo arte. Tal insígnia foi dada posteriormente, pelos outros, já que a arte fundamenta-se na inulitidade dos objetos que são significativos para nosso espírito. Arte, como dito por Tarkovski, trata-se de uma força de cunho espiritual que consegue ultrapassar a ausência de espirutalidade dos homens de uma época.
É nesse sentido que podemos aproximar Bispo do Rosário e Eva Klabin. Ambos viveram no século XX e desenvolveram um interesse espiritual pela arte e pelo tempo sob o impulso pelo colecionismo. Ela, colecionadora de um importante acervo de arte clássica no Rio de Janeiro. Ele, colecionador da miséria e de tudo que há no mundo, pois apresentaria seu inventário na hora de sua morte.
Ao mesmo tempo, foram figuras completamente antagônicas. E essas inegáveis e latentes diferenças econômicas e sociais foram evidenciadas na exposição Flutuações. Apesar de compartilharem os mesmos espaços, marca-se um contraste entre as obras do Bispo do Rosário, que permanecem suspensas, e a colelão de Eva Klabin, fixa no chão. A intenção da curadoria é evidenciar os encontros entre tais personagens sem esquecer de suas singularidades.
Fotos: Mario Grisolli
KRAJCBERG | RESPIRAÇÃO KRAJCBERG | RESPIRAÇÃO 23
Franz Krajcberg foi um artista assombrado por dois tipos de destruição. A primeira diz respeito àquela provocada pela guerra. Em sua experiência de vida passou pela Segunda Guerra Mundial, e dentro desse contexto, perdeu família e casa. A segunda, diz respeito à natureza. Ele a viu sendo continuamente ameaçada e desmantelada quando fez viagem pelo Brasil, onde se estabeleceu e adquiriu cidadania.
A exposição promovida pelo Projeto Respiração se configura entre três questões. A primeira é sobre o nome dessa edição. Por que Respiração Krajcberg? Pela primeira vez uma exposição recebe o próprio nome do projeto. Isso ocorre em razão da eficácia da palavra “Respiração” quando vinculada a um artista que se dedicou à defesa do meio ambiente. Preservar a natureza é, de certo modo, possibilitar o direito à vida e à respiração.
A segunda questão é: Qual seria o território e a nacionalidade de Krajcberg? A pergunta se dá através da intrigante fala do artista, que diz: “Nunca a natureza me perguntou de onde eu vinha, se era naturalizado, qual a minha religião. Isso me deu grande alegria”. Tal frase surge da dificuldade que Krajcberg tinha de ser visto como brasileiro no país que escolheu para si. Curiosamente a natureza, elemento central para a história da arte brasileira, é o lugar onde ele se encontra. Assim, para a curadoria, é justamente pela paisagem que Krajcberg encontra-se como parte do Brasil.
A terceira questão faz referência ao Manifesto do Rio Negro do Naturalismo Integral, que foi redigido por Pierre Réstany na viagem que fizeram juntos pelo Rio Negro. Na leitura do manifesto nota-se um distanciamento da ideia de representação em favor de um realismo pautado radicalmente no real, e não no metafórico. Em uma exaltação da natureza amazônica, o naturalismo integral pauta as experiências de Krajcberg, que utiliza elementos vindos da natureza em sua obra, cujo sentido profundo é a preservação do Bioma amazônico, fundamental para a sobrevivência do planeta.
Fotos: Mario Grisolli | Trechos do filme “Crônica de uma viagem ao naturalismo integral” | Imagens da 2ª guerra: diversos fotógrafos | Música: Choros nº 10 “Rasga Coração”, Heitor Villa-Lobos, 1925 – Coro e Orquestra Sinfônica da UFRJ – regente Roberto Duarte