Rui
Chafes


NOCTURNO
7ª Edição
26 de outubro a 16 de dezembro de 2007

NOCTURNO

Se predestinação existe, podemos afirmar que Rui Chafes e o Projeto Respiração estavam predestinados um ao outro. Quando pela primeira vez pensei na idéia de introduzir Arte Contemporânea no circuito de Arte Clássica do acervo da Fundação Eva Klabin, Beatriz Luz, artista e amiga de Rui, me apresentou o catálogo da intervenção que Rui Chafes havia realizado no Palácio da Pena em Portugal, que guardava uma forte sintonia com o que eu queria realizar. Em 2005, através de amigos comuns (José Mario Brandão e Paulo Pimenta) Rui se inteirou melhor a respeito do Projeto Respiração, pegou um avião e veio conhecer a mim e a Fundação Eva Klabin.

Rui Chafes chegou numa sexta-feira e no sábado pela manhã trouxe-o aqui. Assim que entrou na casa, ao contrário da maioria das pessoas, ficou encantado com a penumbra. Expliquei que a casa era especialmente preparada para de dia parecer noite porque Eva Klabin vivia à noite e dormia durante o dia. NOCTURNO surge daí. Mas surge, também e principalmente, por uma sincronia de interesses: a obra de Rui Chafes encontra no ambiente noturno da casa de Eva Klabin o espaço ideal para manifestar-se. Rui é um artista que foge na contramão. Ao contrário do momento atual em que vivemos, que se valoriza a luz, o brilho, a claridade, a velocidade e o espetáculo, Rui prefere a escuridão. Para ele a penumbra é um valor de contenção necessária e uma forma de resistência. Suas esculturas são quase sempre negro-opacas.

Para Rui Chafes, artista comumente classificado como herdeiro do Romantismo Alemão (ele é um grande tradutor de Novalis para a língua portuguesa), a penumbra é mais do que um valor retórico ou metafórico, é um valor formal constituinte de sua obra. Ela permite um rebaixamento expressivo, fazendo com que trabalhe com uma economia de meios formais, que o aproxima do Minimalismo.

A combinação dos ideais românticos com os valores formais do Minimalismo faz de Rui Chafes um artista singular capaz de criar obras que são resultado de uma imaginação muito particular. Como em arte me desagradam as classificações, evidenciar a obra de Rui como um paradoxo instaurado pelo Minimalismo, para além do Romantismo, estabelece um campo de percepção da importância de sua proposta: o Romantismo alimentou a Arte Moderna com o seu espírito libertário, com a esperança como forma de negar a realidade imediata e transformá-la para o futuro e com a idéia de arte como expressividade do sujeito; o Classicismo, outro movimento fundamental na constituição na idéia de modernidade em arte, trouxe o rigor formal, a idéia de arte como coisa mental e a contenção da objetividade.

Essas duas forças oscilaram ao longo da Arte Moderna, ora pendendo mais para o lado do Romantismo (ex: Expressionismo) ora para o lado do Classicismo (ex: Concretismo). Rui Chafes alia-se no Romantismo ao Romantismo Alemão, mais introspectivo e menos esperançoso, e no Classicismo, ao Minimalismo que quer redimir a forma através da pureza do material. Sua obra dobra essas duas pulsões e estabelece uma densidade ao preservar na superfície do material seu rigor formal e os valores espirituais do sujeito. A obra de Rui consegue conservar através e no Minimalismo o ideal romântico de pureza e, através e no Romantismo, o rigor formal do espírito. Essa junção faz com que suas esculturas constituam uma espécie de lastro que nos preserva da diluição da imagem no mundo contemporâneo e nos aproxima da penumbra da Fundação Eva Klabin como um ambiente capaz de absorver esse tipo de reflexão.

Marcio Doctors
Curador

Fotografia: Vicente de Mello